sexta-feira, 25 de junho de 2010

Trabalho com as Famílias e com a Comunidade Cigana

O Povo Cigano em Portugal: Da História à Escola.
Um caleidoscópio de informação


Referência bibliográfica baseada na norma portuguesa 405 (NP405).

COSTA, Elisa Maria Lopes da – O Povo Cigano em Portugal: Da História à Escola. Um caleidoscópio de informação. Setúbal: CIOE/ ESE de Setúbal, 1996. ISBN 972-95901-4-1.


Palavras-chave:

Ciganos;
Integração;
Família;
Escolarização.

Tema:
Este livro, O Povo Cigano em Portugal: Da História à Escola, explicita a história, a cultura e as tradições do povo cigano, abordando temas centrais como a língua, a família, o trabalho, a escolarização, a integração e a respectiva adaptação das crianças desta etnia nas instituições educativas.

Resumo da obra
Na sequência da conquista do Norte da Índia, as primeiras migrações conhecidas do povo cigano sucederam-se em meados do século III.
Provavelmente, durante a imigração, os antepassados dos ciganos atravessaram as fronteiras dos países a pé, com mulas e carroças, de modo a transportar as mulheres, as crianças e os seus pertences. Estas movimentações ocorreram em diversas épocas e o número de imigrantes oscilava.
Sendo assim, até ao ano 850 os Kalé foram um grupo que veio para a zona da Península Ibérica. Entre os anos 1100 e 1300 o continente europeu tinha já conhecimento da sua presença.
No ano de 1384 este grupo étnico instalou-se no Chipre e, nesta mesma altura, algumas zonas que eram maioritariamente frequentadas por ciganos passaram a ser chamadas «pequeno-egipto». Com efeito, estes «egipcianos» ou «egitianos» começaram a ser chamados de ciganos e em Espanha gitanos. Já em França foram denominados por bohémiens, isto porque diziam ser portadores de uma carta do rei da Bohémia.
Disseminaram-se então em grandes movimentos e continuaram as suas deslocações inter-regiões ou de país para país. Por conseguinte, a parte sul da Rússia acolheu este povo em 1501 e também a Escócia em 1505, de onde passariam para a Dinamarca e de seguida para a Suécia, em 1512.
De uma maneira geral, as razões pelas quais este povo nómada migrava centravam-se no facto de serem expulsos das terras por onde passavam, por motivos de reclusão, exílio, degredo, perseguição, castigos corporais, sanções, tentativas de impor forçadamente a sua sedentarização. Alguns dos períodos conturbados, vividos em certos países, eram igualmente geradores da sua rejeição e consequente fuga, por sua vez, estas deslocações faziam-se sempre em grupo, com as mulheres e os filhos, guiados por um «conde», um «duque» ou um «chefe».
Entretanto, as suas viagens passaram a ser feitas de forma restrita, numa região ou numa nação, embora houvesse grupos que parassem de migrar. Deste modo, na Península Itálica o nomadismo diminuiu e os ciganos procuraram instalar-se em zonas rurais. Já em Espanha começaram a desenvolver actividades de foro artesanal e comercial e, inclusive, trabalhos rurais de cariz sazonal.
Os ciganos que provinham da Hungria e da Roménia chegaram a França, à Noruega e à Alemanha desde o final do século XIX, até à Primeira Guerra Mundial. A Áustria reconheceu a sedentarização de muitos elementos deste povo, a partir de 1958, enquanto os restantes optaram por emigrar para o Canadá, Estados Unidos da América e Austrália. Nos anos 60, Espanha foi também alvo de uma vaga migratória com origem em Portugal.
Como resultado dessas inúmeras vagas migratórias, bem como da convivência mantida com os nómadas autóctones dos países onde chegaram, começou a existir uma diversidade acentuada não somente cultural, mas também de foro linguístico.
É importante salvaguardar que os ciganos já cá deviam estar havia muito tempo, porque a passagem pela fronteira era fácil e, como vimos, a sua chegada ao país vizinho está assinalada um século mais cedo.
A 13 de Maio de 1526 foi decretado um alvará que impedia os ciganos de entrarem em Portugal e que mandava sair aqueles que fossem encontrados. A intenção das autoridades era obrigá-los à sedentarização e, como tal, tentaram impedir a prática dos seus hábitos para os igualar aos outros habitantes, caso contrário eram castigados pela separação dos membros da família.
Em 1592 chegaram mesmo a decretar a pena de morte aos que não abandonassem o país no período máximo de quatro meses. Esta medida foi novamente imposta em 1694, porém, desta vez com a ameaça de castigar o Corregedor da Câmara de Elvas se não respeitasse esta ordenação. As penas impostas podiam ainda ser a condenação simples, após os castigos corporais com «baraço e pregão», e iam por certo período de tempo trabalhar nas galés (os homens), ou em contrapartida, seriam expulsos do reino.
Em Outubro de 1988 ficou concluído o último dos trabalhos, o Estudo da População Cigana no distrito de Lisboa, que foi realizado entre Março e Julho desse mesmo ano, sob a direcção da Dr. Hortelinda Caldas.
Um dos traços mais característicos do povo cigano é a sua língua, o Romani. Este dialecto provém do sânscrito e apresenta diversos elementos comuns a algumas línguas do Norte da Índia, tal como o hindi.
Existindo por parte deste povo uma enorme preocupação pela preservação da sua língua e também pela sua fixação escrita, foi então criada, a nível Europeu, uma Comissão de Padronização dos Romani.
A permanência do povo cigano na Pérsia fê-los adoptar muitas palavras provenientes do curdo e do grego. Efectivamente, o dialecto deste povo sofreu alterações profundas ao longo do tempo, no entanto, manteve-se mais ou menos o vocabulário, pois este articula-se com a estrutura gramatical assimilada.
O controlo social, que garante a normalidade e a coesão das estruturas, baseia-se num conjunto de regras e proibições relacionadas com a limpeza e a noção de pureza (preservação da virgindade, fundamental), preparação dos alimentos, higiene do corpo, vestuário, comportamento/relacionamento entre homens e mulheres, respeito dos jovens pela família e a veneração pelos entes mortos. No caso de haver faltas graves, neste aspecto, a sua resolução assenta nos valores de moralidade e de respeito pela honra e pureza. O castigo afecta o infractor e a sua família e é imposto pela sua própria comunidade.
A família é um dos pontos mais importantes na cultura cigana e, como tal, quando uma atitude concretizada por um elemento da família é apreciada é portanto encarado como um prestígio familiar, ou seja, valorizam bastante o «meio» onde estão incluídos. Para eles é impensável abandonar crianças órfãs, pessoas idosas ou pessoas doentes, ficando sempre na «guarda» de cada família ou da comunidade cigana. Um aspecto interessante e que justifica este acto é o facto de quando alguém adoece e tem de ir para o hospital existem sempre familiares e amigos por perto, para que a pessoa em questão não se sinta só, nem abandonada.
A figura do «tio» é fundamental, trata-se de um homem com uma certa idade, inteligente e com sorte nos negócios. Este sabe falar perante uma assembleia e está sempre pronto a atenuar os conflitos.
No que respeita às funções que cada elemento da família ocupa, o homem é o detentor do poder de decisão e quem sustenta a família a nível económico. Porém, o dinheiro extra que ele ganha é para gastar em despesas de carácter excepcional ou de prestígio, como em festas ou na compra de um carro. Um dos aspectos a realçar da vida de um homem cigano (pai de família) é o facto de se encontrar maioritariamente fora de casa, para procurar trabalho ou simplesmente para conversar com os amigos, o que demonstra uma certa autonomia e um certo poder por parte dos «líderes» das famílias.
Em relação à educação da família é à mulher que lhe cabe esta função, sendo responsável pela educação dos filhos pequenos e das filhas até ao casamento. Efectivamente, é através da mulher que estas tradições ainda se vão mantendo vivas.
No que diz respeito à criança, esta é, desde logo, incentivada na exploração do meio envolvente, para que assim se torne mais independente e autónoma, para mais tarde poder auxiliar a família em termos económicos. Maioritariamente o que acontece é os filhos rapazes trabalharem juntamente com o pai no comércio, enquanto as filhas auxiliam a mãe em casa, cuidando dos irmãos mais pequenos e preparando as refeições.
Existem diversos termos que caracterizam o povo cigano. Desses termos destacam-se o nomadismo, o semi-sedentarismo e o sedentarismo. O nomadismo representa um estado de espírito, ou seja, significa que mesmo que uma família permaneça no mesmo sítio durante meses ou anos sem se mudarem, ela sente-se muito melhor se souber que poderá fazê-lo sempre, quando lhe aprouver. O semi-sedentarismo refere-se a todos aqueles que em determinada altura do ano se deslocam para realizar tarefas de carácter sazonal. É o caso das colheitas, vindimas, feiras de gado e determinadas festas. Por fim, o sedentarismo representa aqueles que se encontram fixos num certo local como resultado de uma imposição. Eles preferem os acampamentos aos apartamentos, porque assim vivem em comunidade em detrimento ao isolamento.
Desde há séculos que o convívio entre ciganos e «paílhos» (não ciganos) é visível em determinadas áreas. Uma dessas áreas é a literatura, a qual como forma privilegiada de liberdade criativa oferece aos leitores quer a realidade, quer a ficção. Temos como exemplos de literatura alusiva aos ciganos, nos primeiros tempos, o Auto dos Ciganos por Gil Vicente; a Peregrinação por Fernão Mendes Pinto e ainda uma referência do missionário Frei João dos Santos na sua Ethiopia Oriental e varia história, onde escreveu: “ (…) são peregrinos, e andão de terra em terra, como siganos”. Quanto à imprensa escrita, a mesma fornece-nos informações sobre a população cigana desde o século XVIII como a Gazeta de Lisboa, o Panorama e o Século.
No que toca à escolarização, foi implementada em Portugal a 24 de Outubro de 1936 e, com o passar dos anos, através do artigo 1 do Decreto-Lei N.º 38968 de 27 de Outubro de 1952 a obrigatoriedade do ensino para todos os portugueses. Caso não o cumprissem eram estabelecidas multas, por falta de matrícula ou de assiduidade à escola. Na actual Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei N.º 46/86 de 14 de Outubro, ficou estabelecida a «universalidade» do ensino básico, em que determina que o ensino básico é universal, obrigatório e gratuito, tem a duração de 9 anos e a obrigatoriedade de frequência do ensino termina aos 15 anos. Esta escolaridade obrigatória garante que se inter-relacione o saber e o saber fazer, a teoria e a prática, a cultura escolar e a cultura do quotidiano, para além de fomentar a consciência nacional no que respeita ao humanismo universalista, de solidariedade e de cooperação internacional.
Em relação à escolarização na comunidade cigana, existem muitas afirmações de que as crianças ciganas portuguesas não vão à escola, porque os seus pais não dispõem de dinheiro nem para os materiais escolares, nem para a comida.
Efectivamente, é importante termos em conta que, de facto, este é um povo com uma cultura agrafa, ou seja, sem escrita.
Dentro da sua cultura a criança cigana, antes da entrada para a escola, é educada e ensinada no sentido da realidade, com o intuito da sobrevivência e com um enorme espírito de liberdade, criatividade e iniciativa. Na realidade, as suas noções de tempo e da maneira como o utilizar são diferentes.
Como tal, quando a criança cigana vai para a escola é inevitável que não sinta rejeição, porque no fundo está bastante presente e é nas instituições educativas que encontramos um ambiente de agressividade, de discriminação e de injustiça por parte das outras crianças; reflexo do que é vivido na sociedade. Esta rejeição não é apenas por parte dos colegas, mas também, de algum modo, por parte dos professores.
Em qualquer escola existem regras que têm de ser cumpridas, tanto pelos professores como pelos alunos. No caso das crianças ciganas é-lhes difícil cumprir as ordens que lhes são dadas e não é fácil adoptarem as regras que são impostas, o que faz com que tenham imensos obstáculos na vida escolar.
Muitas famílias ciganas não concordam com a educação dada nas escolas, pois a maioria das vezes a escola tenta implementar regras e tradições que vão contra esta cultura, o que pode levar à perda da identidade cultural do povo cigano e que dele resultará um grave conflito nas relações sociais.
Nos nossos dias, o ideal é que a escola funcione de forma a complementar a educação familiar e não que a contradiga ou a oponha. É também muito importante a frequência nas escolas portuguesas por parte das gerações ciganas actuais, pois a escola é o lugar ideal para qualquer criança adquirir competências específicas.
Para que haja uma melhor adaptação, por parte da escola, às diferentes etnias deve-se ter em conta o material pedagógico que se utiliza para o ensino destas crianças, porque a escola tem de ser e permanecer um agente de cultura, devendo utilizar dados históricos e culturais, de modo a que os alunos apreendam os elementos da sua própria identidade e se enriqueçam com a diversidade envolvente. Recomenda-se ainda que os professores se formem de modo a prepará-los para uma pedagogia adaptada à escolaridade das crianças ou das populações minoritárias.
A pedagogia adaptada foca essencialmente estes aspectos: que o acolhimento das crianças ciganas e nómadas seja sempre acompanhado de uma preparação adequada dos professores; que a língua e a cultura ciganas sejam valorizadas e utilizadas; que se crie elos de ligação entre a escola e as famílias ciganas; que seja reconhecida a prioridade dos professores ciganos exercerem a sua função junto das crianças ciganas; que sejam contratadas pessoas da cultura cigana nas escolas onde existam muitas crianças ciganas.
Existem dois tipos de professores, o monocultural e o inter/multicultural. Por um lado, o professor monocultural perspectiva a diversidade cultural como uma barreira ao processo de ensino/aprendizagem; é «escolacentrista»; reconhece diferenças culturais sem as conhecer. Por outro lado, o professor inter/multicultural considera a diversidade cultural uma fonte de riqueza para o processo de ensino/aprendizagem; a escola conhece a comunidade; conhece diferenças culturais através do desenvolvimento de dispositivos pedagógicos.
É essencial uma participação directa, cada vez mais activa, dos ciganos itinerantes no Ensino. Os estados-membros devem dar o seu contributo às Escolas, numa perspectiva de integrar as crianças filhas de ciganos e viajantes, tendo sempre em conta a sua história, cultura e língua, e fornecer a esses estabelecimentos materiais didácticos. Também a comunidade deve apostar em intercâmbios, tendo em vista proporcionar experiências inter-culturais.
Em suma, é imprescindível contemplar os projectos escolares dentro de uma problemática global, sócio-cultural, sócio-económica e política para, deste modo, se reconhecer a realidade e o dinamismo do nomadismo e, por sua vez, a necessidade de regulamentações destinadas a facilitar o acolhimento dos nómadas e consciencializar a sociedade da importância dos juízos prévios e estereótipos acerca dos ciganos.

Análise Crítica
O conceito de família é um conceito intrínseco na comunidade cigana. Este povo, consoante o seu género e o seu grau de parentesco, trabalham e defendem a sua família para que exista sempre respeito e dignidade.
No nosso ponto de vista, a forma como o povo cigano valoriza a família é um factor bastante positivo e, na verdade, deveria ser um exemplo a seguir por parte de algumas famílias da nossa sociedade actual, já que nos deparamos com inúmeras famílias que não são muito unidas a este nível. Como exemplo da ligação fortíssima da família cigana temos o facto de que quando alguém da família é hospitalizado ou preso, os restantes membros não o abandonam à porta do hospital ou da prisão, pelo contrário permanecem sempre ali, apoiando-se uns aos outros.
Ao consultarmos o livro de Olímpio Nunes (1996) constatámos a existência de inúmeras tradições e que serviram, efectivamente, para complementar o nosso conhecimento sobre o povo cigano.
Pudemos perceber que, desde cedo, existe um enorme «desdém» em relação ao embrião/ recém-nascido, por parte do pai. Tal como refere NUNES (1996) “Durante uma semana, o pai não vê o filho nem a mãe; e durante uma quarentena não poderá tocar num ou noutra, pois são considerados impuros. A criança é ignorada como uma coisa, enquanto não é baptizada; sendo impura, torna impura a mãe que tem de lhe tocar.” (p. 172). Todavia, a partir do baptismo a criança passa a ser o elo de ligação do casal, o que leva a que, por sua vez, a mulher comece a ser mais respeitada, sendo encarada como «a mãe daquele filho».
A criança começa a crescer e a desenvolver-se robustamente, como defende NUNES (1996) “A criança começa cedo a andar, sendo geralmente saudável. Os familiares vigiam-na, mas deixam-na inteiramente livre nos seus movimentos. Nunca batem a uma criança; é criada com a maior liberdade.” (p. 172). Apesar da cultura cigana ser um pouco rígida, pensamos que, no que diz respeito à educação das crianças, existe um enorme respeito por parte dos adultos, querendo sempre o melhor para elas, dando-lhes autonomia e liberdade para conhecerem e explorarem o mundo exterior, mas ao mesmo tempo vão protegendo-as dos perigos.
Relativamente à mulher, pudemos ainda comprovar que a mulher cigana sofre pela forma como o seu marido a trata. A partir do momento em que a mulher passa a fazer parte da família do marido os seus papéis alteram-se, passando de rapariga a criada, tendo de respeitar todas as ordens do seu marido e da sua sogra, perdendo assim a sua dignidade e o seu respeito como mulher. Portanto, a mulher dentro da comunidade cigana é considerada débil e inferior; quem toma as decisões é o marido, quem dá ordens é o marido e não estando o marido presente, quem «sobe ao poder» é a sogra.
Como referiu a autora do livro, a família, tanto adultos como crianças, desde cedo que começam a ter responsabilidades. As mulheres tomam conta da casa e da educação dos filhos e os homens procuram trabalho e divertem-se com os seus amigos. Em relação às crianças, elas desde logo que também vão cumprindo os seus papéis, “…as filhas mais velhas tomando conta dos irmãozitos fazem as vezes da mãe; os rapazes ajudando os pais no negócio ou tratando dos animais, ou montando a tenda, saindo a mendigar. Se alguns vão à escola, cedo se escapam, mal sabem ler, ou a abandonam.” (NUNES, 1996, p. 173).
Apesar de todas as controvérsias que existem em relação à cultura cigana, permanece um enorme respeito por parte dos ciganos relativamente à sua comunidade. Como é sabido, dentro dela existem ordens e valores morais, os quais têm de ser respeitados. Segundo NUNES (1996) “O povo cigano forma uma sociedade, como um corpo vivo, uma contextura orgânica unitária, sem divisão, com diferenciação de membros e com um mútuo interesse entre eles. (…) Os grupos que são constituídos por seres interdependentes, são totalidades dinâmicas dotadas de propriedades especiais distintas dos seus membros.” (p. 381).
Em relação ao trabalho realizado pelos membros de uma família cigana pudemos constatar que os «cargos» estão repartidos. Sendo assim, o homem é quem sustenta a família, numa perspectiva em que é ele quem viaja para fora para fazer os seus negócios. Deste modo, passa a maioria do tempo fora de casa, o que significa que apesar de as famílias ciganas terem muita afinidade entre si, os homens acabam por não passar «tempo de qualidade» com a mesma. É neste ponto que a mulher cigana tem um papel fulcral, no que respeita à educação dos seus filhos, é ela quem cuida deles, lhes ensina a lidar com as situações do quotidiano, mas também lhes dá liberdade para explorar o seu meio social, de maneira a serem autónomos.
No fundo, é uma questão de cultura, pois apesar de «já lá ir» o tempo em que as mulheres passavam os seus dias a trabalhar em casa e a cuidar dos seus filhos, este grupo étnico nunca deixou de ter os seus traços característicos, incluindo o facto de o homem ser o «ganha-pão» da família. Porém, apesar de concordarmos com a ideia da mulher estar sempre presente para os filhos, pensamos que esta posição tem o seu lado menos positivo, sob o ponto de vista que ao passarem tanto tempo em casa, perto da mãe, as crianças não vão poder ter a oportunidade de interagir com crianças de outras culturas. Ao passo que se a criança fosse à escola poderia alargar os seus horizontes, as suas experiências de vida, fora do seu meio habitual e desenvolveria muitas das suas capacidades, que poderiam estar estagnadas se permanecesse constantemente no seu contexto social.
Tal como menciona a autora do livro, os filhos dos ciganos têm de trabalhar juntamente com o seu pai no comércio e as filhas têm de ajudar a mãe em casa, a cuidar dos irmãos mais novos e a tratar das refeições. Segundo a nossa análise, as raparigas não trabalham com o pai no comércio, pois é em casa, juntamente com a mãe, que aprendem «o sentido da vida», crescendo e adquirindo conhecimentos, para no futuro poderem sustentar os seus maridos e os respectivos filhos. Por outro lado, a mãe mantém as suas filhas em casa para preservar as tradições da sua própria cultura, pelo que só as deixa sair no dia dos seus próprios casamentos.
Consideramos que esta atitude que os pais têm perante os seus filhos não é a mais correcta, uma vez que os «privam», de algum modo, de brincar. Apesar de as crianças brincarem na feira, enquanto os seus pais estão a vender, parece-nos a nós que, efectivamente, este é um «tempo de brincadeira diferente», partindo do princípio que estas crianças, no fundo, são obrigadas a estar naquele local até que os seus pais se venham embora.
Enquanto futuras educadoras de infância defendemos que é de extrema importância o brincar e que é imprescindível a sua existência na infância de qualquer criança. Como tal, as crianças devem ser livres de escolher o que querem ou não fazer e onde querem ou não brincar. Devemos-lhes dar espaço para explorarem o ambiente que as rodeia e dar-lhes autonomia para crescerem como crianças felizes e saudáveis.
É importante para a mulher cigana a interacção com outras pessoas. De uma maneira geral, não têm quase tempo nenhum para socializar, pois o tempo que dispõem é para cuidar dos filhos e acaba por lhes ocupar a maioria do dia. Seria uma «lufada de ar fresco» para ambos os lados, se outras alternativas se fizessem sentir no seu meio. Contudo, existem mulheres ciganas que dão o seu contributo nos negócios da família, vendendo os seus produtos nas feiras e no mercado, ajudando assim o marido a ganhar dinheiro para sustentar a família e gastar em situações objectivas, tal como nos seus casamentos e nos seus bens materiais.
A escolarização das crianças ciganas é, sem dúvida, um estudo importante, actual e inovador, que suscita a reflexão. Na nossa perspectiva, a escolarização das crianças ciganas pode proporcionar um conjunto de saberes que se tornam bastante úteis para a comunidade educativa.
Julgamos que a escolarização das crianças ciganas tem sido, até agora, um insucesso, partindo do princípio que a maioria das crianças desta etnia não concluem a escolaridade obrigatória, talvez devido ao facto de a cultura cigana ser uma cultura de resistência. Segundo LIÉGEOIS (2001) tornar a escolaridade obrigatória “…em condições estritas e não adaptadas (…) é dar-lhe uma maior carga negativa: a obrigação é entendida como coacção. (…) A escola é uma instituição alheia ao grupo e, além disso, uma instituição cuja função é difundir normas culturais que o Cigano não partilha…” (p. 96).
Na verdade, como é sabido, as transformações económicas, políticas e sociais têm levado este povo a desenvolver novos meios de adaptação, porque só assim poderiam manter uma relativa independência económica e cultural. Por conseguinte, começaram a procurar a escola, pois, por exemplo, somente a escolarização lhes permite «tirar a carta». Para que os ciganos não sejam imersos pela cultura dominante, a única defesa que encontram é utilizarem a escola, sem se renderem a ela. Talvez por isso “Ao longo dos anos, regista-se sem dúvida um aumento do número de crianças que vão à escola e do número daqueles que dela saem alfabetizados.” (LIÉGEOIS, 2001, p. 107).
A escolarização é mais um problema de ordem política e económica do que um problema de escola e pedagogia, na medida em que o seu peso é relativo quando compreendido numa realidade que é muito complexa. Segundo LIÉGEOIS (2001) “A situação escolar de um grupo cultural terá que ser inserida numa história de longa duração e no contexto político do momento. Pretender encará-la isoladamente – o exemplo cigano é revelador – conduz a ilusões pedagógicas diversas. Assim, a instituição escolar nada pode fazer sem um contexto político globalmente favorável às iniciativas e às acções que ela propõe, sobretudo quando essas propostas se dirigem a minorias e, designadamente, aos Ciganos.” (p. 83).
Na nossa opinião, as crianças ciganas estão familiarizadas com a manipulação de realidades concretas e simbólicas que em nada se enquadram com a escola, tal como refere LIÉGEOIS (2001) “…existe um «modo de educação poderoso», entre os diversos grupos ciganos. Esse modo baseia-se em relações de educação específicas, que, a priori, excluem a existência de momentos educativos propriamente ditos, fora de um contexto de vida, como os da escola…” (p. 70).
Assim sendo, estas crianças dificilmente estarão preparadas para ter êxito numa escola que não se adapte a si e que não dê valor a perspectivas diferentes. Talvez este problema surja essencialmente pelo facto de não se dar primazia a uma pedagogia centrada no aluno, pois se assim fosse os conteúdos de ensino e as formas de os apresentar seriam adequados a todas as crianças.
Efectivamente, os conceitos de cultura e interculturalidade estão relacionados e são a base para a consciencialização da diversidade existente entre as crianças.
De acordo com as nossas concepções, as características de cada criança devem ser tidas em conta, servindo assim como base às opções pedagógicas, tanto dos educadores de infância como dos professores. Logo, aceitar a criança cigana na escola significa ter também em consideração a sua realidade fora da escola, no domínio económico, educativo, habitacional, etc.
Numa perspectiva intercultural, a escola ideal seria, com toda a certeza, a escola que compreendesse e valorizasse as diferenças, e se mostrasse flexível na sua estrutura e funcionamento, de modo a possibilitar que diferentes culturas se exprimissem e se inter-relacionassem.
Acreditamos ser de extrema importância que a escola esteja organizada para todos, garantindo uma igualdade de oportunidades para alunos provenientes de diversas culturas e ambientes socioculturais, no que diz respeito ao direito à educação.
Na nossa opinião, a relação escola-família e o contacto estabelecido entre estes dois agentes educativos é fulcral para que se conheçam os elementos pertencentes a estes meios e com quem a criança lida no dia-a-dia.

A educação intercultural implica uma atitude simultaneamente receptiva e criativa de toda a comunidade escolar. Logo, os educadores/professores devem ser formados para o acolhimento da diversidade, através da flexibilização dos conteúdos, sem ideias pré-concebidas sobre as crianças.
No que respeita aos dois tipos de professores denominados por monoculturais e inter/multiculturais podemos afirmar que são os extremos um do outro, apesar de fazerem parte do quotidiano.
São chamados professores monoculturais todos os professores que não dão importância à questão da diversidade cultural, pois defendem que esse assunto é como um estorvo para que o processo ensino/aprendizagem dos seus alunos se faça com sucesso. Na nossa opinião, um professor «escolacentrista» não pretende levar os seus alunos a conhecer as realidades uns dos outros, nem sequer tenta compreende-las.
Na perspectiva monocultural o intercâmbio entre alunos nem sequer se põe em causa, na medida em que o professor considera que é apenas num meio escolar restrito que as aprendizagens se adquirem, assim sendo, saber mais acerca das diversas culturas que nos rodeiam, segundo este tipo de professor, nem sequer faz sentido.
Neste caso específico, as crianças ciganas são postas de lado e até se sentem frustradas em pertencer a uma escola dita «normal». Este tipo de professor não faz um esforço para saber mais acerca dessa cultura, o que vai contribuir para que a criança não tenha vontade de participar em determinadas actividades e tenha atitudes desviantes, na perspectiva do docente. Tudo isto se deve ao facto de o professor na sala de aula não dar oportunidade à criança para que ela possa transmitir informações acerca do meio em que habita, dos seus costumes e, essencialmente, porque o professor não se mostra interessado em pesquisar, nem em conviver mais de perto com este estilo de vida específico.
Assim sendo, consideramos que um professor monocultural é conformista, pois baseia a sua vida segundo os valores tradicionais e nem põe em questão vir a conhecer um pouco mais sobre outros hábitos e culturas. Para além disso, acredita que apenas o que a escola apresenta é o bastante para que a criança seja considerada realmente culta, e faz ainda juízos de valor acerca das diferenças culturais que desconhece. O seu pensamento é um pouco retrógrado, pois não quer aderir ao pensamento progressista que lhe daria muito mais riqueza, no que respeita ao seu grau de conhecimento e respectivo acréscimo da aprendizagem dos seus alunos.
No entanto, existe já, de certa forma, uma mudança na mentalidade dos professores, tendo em conta a perspectiva inter/multicultural, o que quanto a nós é fulcral, pois só assim conseguiremos fazer com que também a nossa sociedade comece a perspectivar de forma diferente as diversidades étnicas e culturais, sendo essencial encararmo-las como uma mais-valia no conhecimento de qualquer cidadão.
Estes professores têm em vista o progresso escolar de cada criança, na medida em que desenvolvem oportunidades para que estas tenham a noção de que existem outras culturas, que diferem das delas e que essas culturas lhes podem oferecer conhecimento e não as fazem regredir, mas progredir na sua formação pessoal e social. Normalmente, estes professores apostam ainda em saídas do campus para conhecer a sua comunidade e, desse modo, ficarem mais familiarizadas com a comunidade a que pertencem.
Existe, inclusive, a aposta do trabalho que se centra pela busca de objectivos comuns, tendo em vista o benefício de todos os alunos. Além do mais, promove a autonomia de cada um, pois permite que sejam lançadas motivações pessoais e que questões de identidade sejam consideradas um ponto forte de cada um e não postas de lado. No fundo, permitem o pensamento democrático, pois todas as crianças têm o direito e o dever de serem elas mesmas e partilhar sobre a sua cultura e costumes. Desta forma, o professor permite que se enriqueça o processo ensino/aprendizagem.
Enquanto futuras educadoras de infância decidimos reflectir um pouco sobre a exclusão e a discriminação sentidas pelas crianças ciganas por parte das outras crianças. Se isto realmente acontecer numa das nossas salas como devemos agir/intervir?
Acreditamos ser fundamental saber observar e saber agir no momento adequado, para que, deste modo, possamos alterar prováveis atitudes negativas desenvolvidas pelas crianças. É igualmente importante a constante reflexão sobre as nossas práticas educativas, partindo do pressuposto que a nossa acção perante as crianças influencia as suas atitudes e o seu pensamento, e como tal, o educador de infância deve ponderar as suas próprias atitudes nas interacções com as crianças de etnia cigana e deve, simultaneamente, tentar desenvolver um trabalho de inclusão e de ajuda para com elas, promovendo assim a igualdade de oportunidades.

Referências Bibliográficas

Referências bibliográficas baseadas na norma portuguesa 405 (NP405).
Ordenadas por ordem alfabética.

LIÉGEOIS, Jean-Pierre – Minoria e Escolarização: O Rumo Cigano. Colecção Interface. Lisboa: Ventre de Recherches Tsiganes – Secretariado Entreculturas, 2001. ISBN: 972-8339-28-3.
NUNES, Olímpio – O Povo Cigano. 2ª edição. Lisboa: s/editora, 1996.

Sem comentários:

Enviar um comentário