sexta-feira, 25 de junho de 2010

Regras e Limites

A Importância das Regras e dos Limites

Não restam dúvidas de que hoje há insegurança sobre a educação das crianças. Não é fácil nem óbvio ser-se pai e/ou educador. Existem teses e teorias diversas, que apontam direcções, muitas vezes opostas, e que criam um dilema tanto para os pais como para os educadores de infância relativamente a como educar e qual o caminho mais correcto.
Como as crianças não vêm com livro de instruções, o melhor será adaptarmo-nos às dinâmicas actuais e tentar perceber a melhor forma de educar. Não há regras universais, nem receitas mágicas, até porque cada criança é única e tem o seu temperamento, mas é fundamental criar normas que ajudem a conseguir estabilidade, tranquilidade e segurança.
Assim sendo, parece ser certo que as atitudes firmes e coerentes são fundamentais na educação das crianças. BRAZELTON e SPARROW (2007) argumentam que “A disciplina é o segundo presente mais importante que um pai pode dar a uma criança. O amor vem em primeiro lugar, é claro. Mas a segurança que a criança encontra na disciplina é essencial, pois sem ela não há limites. As crianças precisam de limites e sentem-se seguras com eles. Sabem que são amadas quando um pai se preocupa em lhes impor uma disciplina.” (pág. 13)
Acredito, efectivamente, que desde cedo que as crianças devem perceber que há coisas que podem e que não podem fazer. Portanto, somos nós adultos, enquanto pais e educadores que temos de definir essas regras e, para isso, é preciso «arregaçar as mangas» e ganhar coragem… Porque educar é um processo que nunca termina!
Confesso que uma das minhas grandes dificuldades passa por não conseguir exercer autoridade perante as crianças, mas quando reflicto sobre esta questão penso que se deve, em grande parte, à minha personalidade, ao facto de não conseguir aumentar o meu tom de voz nem tomar atitudes mais «bruscas». No fundo, sempre fui apologista de que não é necessário fazê-lo para «me conseguir fazer ouvir» e para me afirmar perante as crianças, tendo em conta que existem outras formas de fazer e de resolver determinadas situações. Mas será por isso que, por vezes, as crianças não me têm o devido respeito? Talvez seja. Começo a aperceber-me de que secalhar é necessário exercer um pouco mais de autoridade, impondo regras e limites.
Viver em sociedade significa obedecer a regras, ou seja, uma vez que vivemos em sociedade é necessário haver respeito pelas regras, pelas quais esta se rege. Todavia, “Cada regra, quer seja imposta sobre a criança mais jovem por aquela mais velha, quer sobre a criança pelo adulto, começa sendo algo externo à mente, antes de se tornar realmente interiorizada.” (PIAGET cit. In DEVRIES; ZAN, 1998:137).
Os limites ensinam à criança como respeitar o próximo, facilitando a socialização, por isso devem fazer parte da educação. Limites são regras ou normas de conduta que devem ser transmitidas às crianças desde a mais tenra idade. Muitas vezes não percebemos, mas estamos constantemente a respeitar e a definir limites, pois se assim não fosse não seria possível viver colectivamente, por isso, a criança precisa de aprender, desde cedo, como comportar-se em grupo.
Naturalmente, é dever dos educadores atender aos pedidos das crianças, mas sempre dentro de determinados limites impostos pela sociedade e pela educação dos próprios educadores. A clareza sobre os limites e a autoridade dos educadores é um dos principais factores de segurança para os mais pequenos. Ausência, excesso ou rigidez de limites não ajudam, pois a criança precisa de parâmetros para aprender a viver em grupo. A minha dificuldade passa precisamente pela quase ausência de limites. Agora que reflicto, julgo que ainda não consegui encontrar em mim o equilíbrio, mas penso que com o tempo chegarei lá.
Para além disso, a existência de limites mostra às crianças o que podem e o que devem ou não fazer. Afinal, vivemos em sociedade, onde é fundamental a existência e o respeito pelas regras! No fundo, tenho consciência de que se deve ensinar à criança que todos temos direitos e deveres e que os direitos dela terminam onde começam os dos outros, uma vez que “Com a capacidade de perceber a perspectiva do outro, a criança consegue ver que as regras levam em conta as necessidades de todas as pessoas e não só as suas.” (BRAZELTON; SPARROW, 2007: 37). Assim sendo, é importante que ela perceba que há coisas que pode e que não pode fazer, e que ninguém é obrigado a satisfazer as suas vontades.
A educadora São, na primeira semana da minha prática pedagógica, conversou comigo chamando-me à atenção de que eu deveria saber dizer «não» quando necessário, ao que eu lhe respondi que dizer eu digo, mas posso é não o fazer da forma mais correcta. Mais uma vez saliento a minha dificuldade em adoptar uma postura mais «firme» perante as crianças. Na minha perspectiva, é preciso saber dizer «não», mas de uma forma positiva e coerente, caso contrário acabamos por interferir no desenvolvimento correcto da criança.
O que cria em mim mais revolta é o facto de eu saber, com toda a certeza, que dizer «não» a uma criança é uma atitude, dentro do processo educativo, necessária e saudável, e não o conseguir fazer da forma que, pelos vistos, deveria. A criança precisa de compreender que existem regras, que tudo tem um momento certo e que há horas para brincar, para comer, para dormir, etc., e este processo “…irá ajudá-la a perceber que existe um tempo para tudo, que nem sempre se pode ter tudo aquilo que se deseja, na hora em que se quer.” (DELBONI, 2009: 9).
Dizer «não» com segurança e convicção em situações concretas e específicas ajuda as crianças a crescer. Todavia, não se deve dizer «não» constantemente, porque assim perde a força, contudo, quando se trata de crianças muito pequenas, como é o caso das crianças da 1ª Sala de Actividades (18/30 meses) “As crianças precisam que os pais digam «não» até que a lição tenha sido aprendida e já não precise de ser testada. Aprendem pela repetição.” (BRAZELTON; SPARROW, 2007: 25), até porque “…uma criança pequena se entrega ao mesmo comportamento vezes sem conta só para ouvir um «não».” (BRAZELTON; SPARROW, 2007: 25).
Quando se diz «não» tem de se ser coerente e tem de se manter, mesmo que isso crie alguma frustração. Quando se diz «não» a algo que as crianças querem muito ficam um bocadinho frustradas, mas é também uma forma de aprenderem que nem sempre podem ter tudo quando querem. E são essas pequenas frustrações que os ajudam a crescer e a amadurecer. No mesmo seguimento, DELBONI (2009) afirma que “O não – firme – que vem de quem nos ama, é uma forma de preparação para as frustrações futuras.” (pág. 9).
Quando a criança tem liberdade total tem dificuldade em apreender e aceitar regras e limites e, por sua vez, a criança a quem se cede em tudo imediatamente, a quem nunca se recusou nada, suporta mal as frustrações. A falta de firmeza por parte dos educadores leva a criança a impor a sua vontade. Apesar de tudo, considero que este não é o meu caso, pois na 1ª Sala de Actividades, quando estou presente, não são as crianças que determinam o que vão fazer, como vão fazer, etc. Nem me parece que estas crianças não aceitem ser contrariadas.
O estabelecimento de regras e limites é de extrema importância assim como a necessidade de não dar tudo o que a criança quer, quando quer, pois tal como alerta ROUSSEAU (2004: 21) “Os pais fracos, que cedem a todos os pedidos do filho, longe de respeitar a sua liberdade, corrompem-na, longe de fazer dele um ser livre, submetem-no às suas fantasias e mais tarde às suas paixões. O mais grave não é que eles próprios se tornem escravos do filho, o pior é que fazem dele um escravo.”
Actualmente, deparamo-nos com muitas crianças consideradas «sem limites», pois os pais inseguros não conseguem estabelecer essas bases. Na 1ª Sala de Actividades tenho tido bastante contacto com as famílias, o que me possibilita conhece-las uma a uma, e foi desta forma que me apercebi que os pais da Matilde demonstram ser um pouco inseguros, afirmo-o, tendo em conta que a própria mãe da Matilde o admite perante a equipa de sala. Eu e a educadora São, ao conversarmos precisamente acerca da insegurança dos pais e da falta de limites e regras, concluímos que se deve, em grande parte, ao discurso dos psicólogos que vigorou durante muito tempo sobre o cuidado que deveríamos ter para não traumatizarmos as crianças. No entanto, esse discurso esqueceu-se de alertar que os limites claros e seguros são factores estruturantes da personalidade sadia das crianças, tal como afirma FRAIBERG (cit. In BRAZELTON; SPARROW, 2007: 15) “…uma criança sem disciplina é uma criança que não se sente amada.”
Na vida existe o princípio do desejo e o princípio da realidade e, é importantíssimo para o crescimento e desenvolvimento saudável da criança, que ela se torne capaz de compreender que a vida nem sempre permite fazer ou ter o que se deseja e muito menos no imediato, e que isso não deve ser motivo para reacções de raiva ou depressão. De facto, “…será esse aprendizado que permitirá à criança tornar-se um adulto capaz de lutar para conseguir o que deseja, de forma estruturada e eficaz.” (DELBONI, 2009: 9). Por sua vez, a manutenção das regras e dos limites sociais é que irá garantir a liberdade de cada um.
A autoridade exercida pelos educadores e a maneira como a criança vai lidar com ela e com os limites, constitui a base para a intromissão das regras sociais e a adaptação a elas na idade adulta. De facto, tenho em mente que autoridade é algo que se conquista com atitudes coerentes, segurança e firmeza, o que só poderei e conseguirei adquirir com o tempo e, essencialmente com experiência profissional, na prática com as crianças.
Numa das reuniões que tive com a educadora São e com a professora Ana Bela, a professora, tendo à partida conhecimento da minha dificuldade, procurou saber se eu sentia que tinha melhorado e qual a forma que tinha encontrado para conseguir exercer um pouco mais de autoridade perante as crianças; ao que eu lhe respondi que tinha tentando diversas estratégias, procurando perceber qual delas resultaria melhor. Agora que reflicto, penso que colocar uma expressão facial mais séria e simultaneamente manter-me em silêncio é a estratégia que tem resultado de forma mais eficaz, apesar de nem sempre ser assim.
Como realça BRAZELTON e SPARROW (2007: 66-67) “O silêncio pode ser uma técnica importante de disciplina. As crianças estão constantemente a ser advertidas acerca do que podem e não podem fazer. Quando esta expectativa é quebrada pelo silêncio, a criança percebe que a situação é séria. Vai desejar estabelecer de novo a comunicação.” De facto, o silêncio “É uma forma surpreendente de captar a atenção da criança e interromper a acção e não exige qualquer esforço.” (BRAZELTON; SPARROW, 2007: 67).
Autoritarismo é a forma de conduta de alguns educadores que não têm autoridade, mas usam o poder que a condição de adultos lhes dá para subjugarem a vontade dos mais pequenos. A autoridade inspira o respeito e a confiança, enquanto o autoritarismo inspira o medo e a insegurança.
Dizer «não» a uma criança, no momento certo, não é prejudicial, muito pelo contrário. Esta pequena palavra é necessária, uma vez que a criança ainda está a construir a sua concepção do mundo. Portanto, a criança precisa de conhecer os limites, saber distinguir aquilo que pode ou não ser feito, para conseguir viver em sociedade.
Estabelecer regras não significa que tenhamos que ser maus ou rudes, pelo contrário “É importante para a criança compreender que a negação dos seus desejos por parte dos pais e educadores não é, «simplesmente» um acto de «maldade», mas sim um acto de carinho, de cuidado.” (DELBONI, 2009: 9). Como sempre defendi, devemos fazer uso da afectividade para impor limites, falando com suavidade e procurando fazermo-nos entender.
No decorrer da minha prática pedagógica tenho tido oportunidade de verificar que as crianças são muito mais receptivas ao que lhes é dito se isso for feito com afecto, portanto é conveniente usar a autoridade sem provocar submissão e mal-estar, tendo o cuidado de mostrar às crianças que o que não apreciámos foi a atitude dela e que isso em nada tem a ver com o amor que sentimos por ela. Efectivamente, é essencial transmitir às crianças segurança, mostrar que confiamos nelas e que as valorizamos.
Uma criança tem de crescer com a afectividade dos adultos, mas também com a confiança nas suas próprias possibilidades. Os adultos têm de ter a noção de que o medo é contagioso, mas a segurança também. Se se está sempre a valorizar o esforço que faz, vai ser um adulto equilibrado e maduro. Logo, é preciso transmitir muita confiança e também os limites que tem de respeitar. Aliás, “O convite para que as crianças estabeleçam regras (…) é uma forma pela qual o professor pode reduzir a heteronomia e promover a autonomia.” (DEVRIES; ZAN, 1998: 137).
Ao contrário do que a educadora São possa pensar, pois questionou-me se eu tinha receio de que as crianças não gostassem de mim tomando atitudes mais «firmes», eu sei que a criança é capaz de compreender um «não» e que a recusa não gera traumas, mas tem é que ter uma razão e coerência. Ao proferir a negação o adulto mostra que se preocupa com a criança e, para ela, isto vale muito mais do que muitos brinquedos ou a realização de todas as suas vontades. A criança poderá chorar ou fazer uma birra, mas isso faz parte da sua socialização.
Assim sendo, eu tenho mesmo de pensar no bem da criança quando estou diante de uma situação em que preciso de negá-la, de forma mais convicta. Pode ser para mim um pouco difícil dizer «não» desta forma, mas, no fundo, é preferível ver uma cara triste por apenas alguns momentos, do que vir a testemunhar problemas mais graves que poderão fazer a criança sofrer mais tarde.
De há um tempo a esta parte, as crianças da 1ª Sala de Actividades começaram a ter o hábito de subir para cima das mesas. Quando me deparo com esta situação dirijo-me às crianças e olhando-as nos olhos explico-lhes que não se sobe para cima das mesas, que é nas cadeiras que nos sentamos, para além de que as advirto para o facto de poderem cair e magoar-se. Segundo BRAZELTON e SPARROW (2007: 30) “…a disciplina faz-se olhos-nos-olhos, mão-na-mão e ombro-no-ombro. Vale a pena explicar as coisas com palavras, para que, com o tempo, o seu significado seja entendido. Mas, por si só, as palavras não contribuem para sossegar uma criança pequena.” Porém, na maioria das vezes, as crianças ignoram-me, permanecendo em cima das mesas, até que tenho de ir tirá-las de cima da mesa. BRAZELTON e SPARROW (2007) explicam que “…a disciplina consiste no ensino do controlo gradual dos impulsos, o que não se aprende num passe de mágica. (…) Nesta fase as crianças precisam que (…) as peguem pela mão ou pelos ombros para travar qualquer acção indesejada.” (pág. 30).
Quando se coloca um limite ou uma regra deve explicar-se porque é que ela foi colocada e o que acontece quando não é cumprida, pois a criança precisa de compreender o porquê para poder interiorizar a norma. Assim sendo, é importante justificar-se os motivos do limite e as razões devem ter a ver com segurança e/ou com respeito.
Os comportamentos errados devem ser assinalados de imediato. O adulto que se encontra com a criança no momento do ocorrido deverá explicar e estabelecer qual será a consequência da atitude errada.
A criança precisa de parâmetros. E, como se sabe, os adultos são responsáveis directos no que diz respeito à aprendizagem das crianças, uma vez que as crianças procuram nos adultos um reforço, seja ele negativo ou positivo. Por isso, é preciso estarmos atentos aos comportamentos que tomamos, dando o exemplo, pois somos um modelo e, no fundo, os nossos comportamentos são imitados pelas crianças.
Se dizemos que uma atitude não é correcta e mesmo assim a fazemos, com certeza que a criança ficará insegura, não acreditará no que lhe é dito e fará exactamente o que não devia, já que ela aprende muito mais pelo que vê do que pelo que ouve. Portanto, devemos sempre explicar quando e porquê as nossas acções são permitidas e à criança não referindo razões de capacidade, idade, segurança, adequação ou responsabilidade.
Durante o desenvolvimento da criança, estabelecer e conhecer os limites é saudável quando estes se referem apenas aos actos, não desvalorizando a pessoa. A criança não deve sentir-se culpada pelos seus actos, mas deve ser-lhe imputada responsabilidade por estes.
O que é errado é sempre errado, hoje, amanhã, enfim…sempre! E por mais difícil que seja para os educadores, o limite e a consequência pelo seu não cumprimento deverá ser colocado a primeira vez em que ocorre, a segunda vez, a terceira vez, …, quantas vezes forem necessárias, até o comportamento deixar de existir.
Educar exige dedicação e coerência. A educação está longe de ser fácil. Tornar uma criança uma pessoa equilibrada e feliz é (ou deveria ser) o objectivo de qualquer educador. No fundo, “…a educação não é senão um hábito (…) a dependência das coisas, isto é, a sujeição apenas às necessidades naturais não perturba a liberdade, já que a verdadeira liberdade é precisamente só estar submetido às leis da natureza.” (ROUSSEAU, 2004: 22).

Referências Bibliográficas
Referências bibliográficas baseadas na norma portuguesa 405 (NP405).
Ordenadas por ordem alfabética.

· BRAZELTON, T. Berry; SPARROW, Joshua D. – O Método Brazelton: A Criança e a Disciplina. 9.ª edição. Lisboa: Editorial Presença, 2007.
· DELBONI, Thaís – Birras e amuos: Manual de “sobrevivência” In O Guia para Pais e Educadores, N.º 18, Ano II, Abril 2009.
· DEVRIES, Rheta; ZAN, Betty – A Ética na Educação Infantil: O ambiente sócio moral na escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. ISBN 85-7307-316.0.
· ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou Da Educação. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

Sem comentários:

Enviar um comentário