sexta-feira, 25 de junho de 2010

Os Conflitos

Os Conflitos

Os conflitos, quer queiramos quer não, fazem parte do nosso dia-a-dia e, por isso mesmo, é importante que aprendamos a lidar com eles da melhor forma. Segundo MONTEIRO e SANTOS (2003: 34), “O conflito é definido como a oposição de forças com intensidade semelhante, que surge, portanto, quando as motivações são incompatíveis.”
Na teoria de Piaget (teoria construtivista) existem duas formas de conflito, sendo estas, o conflito intra-individual (conflito dentro do indivíduo) e o conflito interindividual. O tipo de conflito que abordarei é o conflito interindividual, tratando-se de um conflito que se gere entre duas ou mais pessoas. De acordo com DEVRIES e ZAN (1998: 90) “…este conflito pode promover o desenvolvimento tanto moral quanto intelectual. Isto ocorre pelo descentramento a partir de uma única perspectiva para levar em consideração a perspectiva de outros e é iniciado pela confrontação com os desejos e ideias de outros.”
Estes conflitos, são inevitáveis dentro de uma sala activa onde acontece a livre interacção social, como na 1ª Sala de Actividades, para além de não se poderem evitar, devem ser encarados de uma forma natural e considerados momentos de interacção e aprendizagem para as crianças, partindo da perspectiva de que “O conflito interindividual é um contexto importante para o desenvolvimento de estratégias de negociação pelas crianças e para o entendimento interpessoal que elas reflectem.” (DEVRIES; ZAN, 1998: 113).
Como já aconteceu, por diversas vezes, no decorrer da minha prática pedagógica, num determinado momento duas das crianças estão numa situação de conflito, pois uma delas quer um brinquedo que a outra tem, e eu fico na incerteza qual será a melhor postura a adoptar, se intervir de imediato ou deixá-las tentar resolver o conflito sozinhas.
Neste tipo de situações, o educador deve desempenhar um papel fulcral como “…mediador na resolução de conflitos entre crianças e não o de detective ou de juiz na procura de um «culpado».” (SILVA, 2009: 20), levando as crianças a compreender e a resolver os conflitos por elas próprias. O educador deve ainda ajudar as crianças a verbalizarem os seus sentimentos e desejos e a escutarem-se umas às outras. Segundo BALLENATOR (2008: 138) “A convivência exige aceitar o outro, ouvir, tentar compreender e respeitar o seu ponto de vista, bem como saber ceder em determinadas situações. As crianças devem aprender a resolver conflitos de modo positivo.”
O adulto, enquanto mediador, tem um papel muito importante na construção de relações sociais adequadas. Porém, pôr em prática este modelo não tem sido para mim assim tão fácil, tendo em conta a faixa etária (18/30 meses) deste grupo de crianças, para além de que implica disponibilidade da minha parte e, sobretudo, persistência para que as crianças interiorizem o modelo e se autonomizem na resolução dos seus próprios conflitos, sendo também fulcral que eu o ponha em prática com frequência e em diversos contextos. Por conseguinte, tenho tentado não assumir os problemas das crianças nem lhes propor uma solução, em contrapartida, mesmo com alguma dificuldade, tento propiciar a resolução dos conflitos pelas próprias crianças, acreditando à partida que estas são capazes de os solucionar sozinhas, de uma forma positiva.
Como acontece frequentemente e segundo BALLENATOR (2008: 138) os educadores “…reagem com uma intervenção rápida e transformam-se numa espécie de «vigilantes salvadores» que saltam para a estrada ao primeiro indício de discussão.” Todavia, o educador deve adoptar uma postura calma, não intervindo de imediato nem se precipitando, ou seja, deve apenas observar aquilo que está a acontecer e preparar-se para um resultado positivo, pois só assim poderá transmitir tranquilidade às crianças. “Nunca é demais sublinhar a importância que assume a observação dos comportamentos no processo de ensino-aprendizagem.” (ESTRELA, 1994: 128).
Contudo, estas situações de conflito constituem para mim uma situação dilemática, pois se deixar as crianças resolverem os seus próprios conflitos de forma autónoma, como tento sempre fazer, em situações de «agressão física» (que é o caso da maioria dos conflitos), as crianças não param de bater, de arranhar, de morder, de puxar os cabelos, etc. De facto, “Morder, bater e dar pontapés começam por ser reacções à sobrecarga emocional. A criança atinge um ponto crítico e depois começa a morder, bater ou a dar pontapés.” (BRAZELTON; SPARROW, 2007: 87). Assim sendo, acabo por intervir quase sempre, pois tenho que me responsabilizar pela segurança das crianças quando o conflito toma outras proporções, de modo a evitar possíveis danos físicos.
Para tranquilizar as crianças é conveniente que o educador utilize métodos que não passem pela verbalização e, para além disso, necessita de lhes dar espaço e tempo para que as crianças se possam recompor, antes de iniciar uma conversa. Quando esta é feita, o educador deve reconhecer os sentimentos e os receios de cada criança, para assim poder falar com cada uma delas sobre o que aconteceu e tentar, em conjunto, perceber qual a melhor solução para resolver o conflito. Na perspectiva de BALLENATOR (2008: 138) “Tem de se tentar encontrar soluções que satisfaçam as expectativas das partes em conflito, de modo que ninguém sinta que perdeu.”
Por um lado, é fundamental que o educador coloque perguntas abertas, certificando-se que dirige as questões para uma das crianças, depois para outra, enquanto ouve com atenção os detalhes, sem emitir quaisquer juízos de valor. Por outro lado, o educador pode pedir às crianças ideias e soluções e escolher conjuntamente uma, encorajando-as a pensar numa solução, não esquecendo que ambas devem dar sugestões. Caso elas não consigam verbalizar soluções, como é o caso das crianças da 1ª Sala de Actividades, o adulto poderá dar algumas sugestões e pedir às crianças para escolherem a que considerem mais adequada, contudo, é necessário que o educador se certifique de que a solução seja aceite por ambas as crianças. É fulcral encorajar as crianças a levarem à prática as suas decisões e a fazer comentários sobre o seu esforço e o processo que utilizaram, desta forma fazemo-las compreender como hão-de agir.
Quando o problema estiver parcialmente resolvido, o educador deve, no entanto, disponibilizar-se para continuar a dar-lhes apoio, partindo do principio que, por vezes, as soluções necessitam de ser clarificadas quando as crianças começam de novo a brincar. Como tal, é importante que o educador se mantenha perto das crianças e intervenha, lembrando a solução encontrada, se se aperceber de que o conflito se vai reiniciar. Ao passo que se o educador observar “…que o problema já foi dissipado ou solucionado (…). Garantindo que as crianças estão satisfeitas com sua resolução, [ele] também abandona o assunto.” (DEVRIES; ZAN, 1998: 104).
As crianças da 1ª Sala de Actividades, enquanto crianças pequenas são, por natureza, egocêntricas, tendo por isso dificuldade em compreender o ponto de vista do outro. As suas necessidades são muitas vezes incompatíveis com as do outro, originando frequentemente conflitos. Quando estas situações se passam com crianças pequenas é mais difícil que estes conflitos se consigam resolver com algum sucesso, tendo em vista a felicidade do outro, mas quando as crianças são mais crescidas, numa idade de pré-escolar, muitas delas já sabem como os solucionar, pois já têm a noção de que terão que ceder em determinadas situações.
Como acontece frequentemente na 1ª Sala de Actividades em que as crianças entram em conflito por causa dos brinquedos, eu opto por não intervir, não tirando o brinquedo às crianças nem pedindo que brinquem com outro brinquedo, pelo contrário, fico, pura e simplesmente, a observar como é que as crianças resolvem a situação, intervindo unicamente em casos extremos. Esta situação é normal em crianças desta faixa etária (18/30 meses), tal como refere BRAZELTON e SPARROW (2007: 104) “Uma criança de dois anos que vê nas mãos de outra o brinquedo que quer, o que o torna ainda mais atraente, vai certamente tentar tirar-lho. (…) Nesta idade o roubo é algo com que é fácil lidar porque as crianças não aprenderam ainda a sentir-se tão culpadas que sejam levadas a esconder o que fizeram.”
Durante estes quatro anos da minha formação inicial como futura educadora de infância foi-me ensinado a não intervir de imediato quando ocorre uma situação de conflito entre crianças, pois, tal como tenho vindo a mencionar, temos de dar espaço às crianças para resolverem os seus próprios conflitos, levando-as a consciencializarem-se de que o espírito de negociação é fundamental. Assim sendo, o educador não deve tirar o brinquedo às crianças, pedindo-lhes que brinquem com outro brinquedo, mas, em contrapartida, deve desenvolver oportunamente o sentido de negociação com as mesmas, para que aprendam a negociar com os seus pares e, desta forma, quando estiverem perante algum conflito, consigam resolvê-lo da melhor forma. Daí considerar-se que “Este tipo de roubos constitui uma oportunidade de aprendizagem muito importante…” e “Como é claro, os limites precisam de ser esclarecidos.” (BRAZELTON; SPARROW, 2007: 104).
Ao longo da minha prática pedagógica na 1ª Sala de Actividades adoptei a postura de não alertar exaustivamente as crianças para que resolvessem os conflitos umas com as outras, nem lhes indicando qual a melhor forma de o fazerem, porque considero que é bem provável que se estiver sempre a dizer às crianças o que fazer e como fazer, estas acabam por não se tornar autónomas na resolução dos seus conflitos, tanto interiores como com os seus pares. Na minha perspectiva, o educador deve alertar as crianças para eventuais conflitos que se possam gerar, mas não constantemente.
Existem diversas estratégias possíveis que o educador pode utilizar para que as crianças interiorizem de forma prática a negociação de conflitos. Por exemplo, “Devemos ensinar (…) estratégias que lhes permitam fazer frente às situações, contratempos ou conflitos que se apresentam ao longo da vida.” (BALLENATOR, 2008: 142). Como algumas vezes é feito na 1ª Sala de Actividades pela minha educadora cooperante, pode-se utilizar o exemplo de conflitos já vividos em sala para reflectir sobre eles juntamente com as crianças, num momento de grande grupo.
Poder-se-á ainda, apesar de ser mais adequado para o Jardim de Infância, estabelecer regras que podem ser escritas e previamente desenhadas e afixadas na sala, para que as crianças se possam lembrar das regras de conduta e como resolver os seus conflitos com os amigos. Deste modo, está-se a ajudar as crianças a reflectirem e a pensarem em algumas situações que já se tenham passado com elas próprias ou com os seus amigos e, sendo assim, as crianças vão começar a pensar e a dar as suas ideias como forma de resolução.
Uma situação que já tive oportunidade de constatar por parte das auxiliares de acção educativa da 1ª Sala de Actividades e que, realmente, me incomoda um pouco, é o facto de elas ao observarem o conflito pedirem à criança agredida que repita o mesmo acto na criança agressora. No meu ponto de vista, esta é uma atitude incoerente por parte das auxiliares de acção educativa, uma vez que qualquer profissional de educação não deve incentivar as crianças a fazerem mal ao outro, pois assim está a incutir-lhe o espírito vingativo, factor não muito favorável para a educação e o desenvolvimento das crianças.
Acredito, efectivamente, que quando os educadores de infância se preocupam com questões interpessoais e ensinam ao seu grupo de crianças atitudes e estratégias de negociação, é inevitável que estes ensinamentos não se reflictam nos comportamentos das crianças. Logo, estas crianças quando em situações de conflito acabam por utilizar mais estratégias de negociação, têm muito mais experiências compartilhadas no decorrer dos seus conflitos, preocupam-se mais em preservar os seus relacionamentos e são mais bem-sucedidas.
Numa situação em que uma criança tenha sido ofensiva com outra, é necessário que o educador dê oportunidades à agressora para compensar as suas atitudes anteriores, pois estará menos favorável a acarretar consigo sentimentos de culpa ou rancor. No entanto, “Pedidos forçados de desculpa geralmente são insinceros e operam contra o descentramento e o desenvolvimento de empatia.” (DEVRIES; ZAN, 1998: 107), daí eu habitualmente optar por aconselhar as crianças a darem um abraço e um beijo, como forma de compensar o mal cometido mas, mesmo assim, caso elas não queiram não as obrigo, pois estando contrariadas as crianças nunca o farão de forma sentida e reconhecendo o seu erro.
Portanto, é conveniente ser a criança por si só a pedir desculpa, quando se aperceber da sua culpabilidade em determinado conflito e não fazê-lo apenas porque o educador lhe pede. É de frisar que algumas das crianças da 1ª Sala de Actividades, apesar da tenra idade, já tomam essa iniciativa, de forma espontânea. De facto, a compensação preparará para o restabelecimento de uma relação amigável, depois de o conflito terminar.
No fundo, um problema que está para ser resolvido é uma oportunidade de aprendizagem, isto porque à medida que a criança vai lidando com situações conflituosas vai aprendendo a resolvê-las da melhor forma. Quanto mais vezes a criança estabelece conflitos, mais noção do outro começa a ter. Com efeito, “…o conflito é necessário e benéfico ao desenvolvimento dos alunos e à melhoria da qualidade das suas relações.” (NASCIMENTO, 2003: 213).
Neste sentido, o conflito é, sem dúvida, uma condição importante do desenvolvimento social dos indivíduos, pois as exigências cognitivas e afectivo-emocionais que lhes são colocadas funcionam como um estímulo à diferenciação dos processos de funcionamento interpessoal e, por sua vez, promovem as competências sócio-cognitivas e de gestão emocional que tornam o indivíduo capaz de estabelecer relações positivas com os outros.
É na relação que se constrói com o outro que cada um aprende, observando, imitando, desenvolvendo as suas competências. Com efeito, “O conflito interpessoal pode oferecer o contexto no qual as crianças tornam-se conscientes de que outros têm sentimentos, ideias e desejos. O aumento na consciência sobre outros e esforços para coordenar a perspectiva de si mesmo com a dos outros resultam em um entendimento interpessoal de nível superior…” (DEVRIES; ZAN, 1998: 90). As experiências sociais ajudam as crianças a adequar o seu comportamento, a conhecer-se melhor e a saber estar no mundo. Viver em sociedade implica viver com o outro.
A resolução positiva dos conflitos permite o desenvolvimento das competências sociais, intelectuais e emocionais das crianças, que são importantes para o bem-estar psicológico e pessoal de cada uma, bem como para a positividade das suas relações interpessoais. Com toda a certeza “…o conflito é o factor mais influente na aquisição de novas estruturas de conhecimento. Os conflitos podem, portanto, ser vistos como uma fonte de progresso no desenvolvimento.” (DEVRIES; ZAN: 1998: 91).
Quanto à minha dificuldade em relação à gestão de conflitos, a educadora São tem-me dito que é notável que estou a fazer um esforço. Todavia, comparativamente à sua postura, a educadora considera-me um pouco mais permissiva.
A professora Ana Bela numa das nossas reuniões tranquilizou-me, de imediato, dizendo que é preferível ser-se permissiva do que de um autoritarismo enorme e que, na verdade, ficaria preocupada se eu assim o fosse, mas que não é o caso. Tal como refere DEVRIES e ZAN (1998: 113) “…a atmosfera sócio-moral construtivista é um contexto melhor para a promoção do entendimento interpessoal do que atmosferas autoritárias. (…) A atitude geral do professor construtivista para os conflitos das crianças deve ser a de permanecer calmo e controlar suas reações, reconhecendo que os conflitos pertendem às crianças envolvidas e acreditando nas capacidades dessas para a solução de seus próprios conflitos.” Mencionou ainda que tudo isto se constrói de forma gradual, portanto, é preciso tempo e experiência para que eu consiga adquirir a segurança necessária para este tipo de situações.

Referências Bibliográficas
Referências bibliográficas baseadas na norma portuguesa 405 (NP405).
Ordenadas por ordem alfabética.

· BALLENATOR, Guillermo – Educar sem gritar: convivência ou sobrevivência? 4.ª edição. Lisboa: Espera dos Livros, 2008.
· BRAZELTON, T. Berry; SPARROW, Joshua D. – O Método Brazelton: A Criança e a Disciplina. 9.ª edição. Lisboa: Editorial Presença, 2007.
· DEVRIES, Rheta; ZAN, Betty – A Ética na Educação Infantil: O ambiente sócio moral na escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. ISBN 85-7307-316.0.
· ESTRELA, Albano – Teoria e Prática de Observação de Classes: Uma Estratégia de Formação de Professores. 4.ª edição. Porto: Porto Editora, 1994. ISBN 972-0-34043-6.
· MONTEIRO, Manuela; SANTOS, Milice Ribeiro dos. Psicologia – 1ª e 2ª parte – Psicologia 12º ano. Porto: Porto Editora, 2003. ISBN: 972-0-42107-X.
· NASCIMENTO, Inês. A dimensão interpessoal do conflito na escola. In COSTA, Maria Emília. Gestão de Conflitos na Escola. Lisboa: Universidade Aberta, 2003. Pág. 201-225.
· SILVA, Filomena Santos – Aprender a resolver conflitos In O Guia para Pais e Educadores, N.º 15, Ano II, Janeiro 2009.

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