sexta-feira, 25 de junho de 2010

Desenvolvimento Socio moral

A moralidade baseia-se nas crenças próprias de cada indivíduo quanto à maneira como se deve comportar em sociedade. A moralidade da criança é construída através da sua experiência social, envolvida pela compreensão cognitiva para que a mesma, seja capaz de adaptar-se a cada etapa do desenvolvimento.
É normalmente no contexto familiar, que as crianças se deparam primeiramente com as regras que regularizam o comportamento interpessoal. É a partir deste contexto que as crianças, inicialmente, tomam contacto com as imposições sociais.
Uma criança aos três anos de idade, por exemplo, ao adoptar um comportamento ou atitude agressiva face a outra, se questionada se o que fez é bom ou mau, saberá responder de forma socialmente aceite, pois a partir desta idade embora não saiba ainda dar uma resposta de forma sustentada, sabe que padrão comportamental deve adoptar, e que será confrontada caso não corresponda ao padrão de comportamento socialmente previsto e aceite.
Desta forma estão assim lançados, os alicerces para o desenvolvimento da moralidade.






Definição do Conceito


Pode dizer-se que moralidade e desenvolvimento moral, são conceitos que giram em torno do que é justo e injusto, o que é bom e o que é mau, no fundo no que deve ou não ser feito. E por muito que seja controverso falar-se do bem, do verdadeiro e do belo, estas são categorias filosóficas fundamentais. Sem estas categorias, a humanidade perderia o seu sentido, ou seja, não haveria razão aparentemente aliciante para que quisemos viver. Aliás, se assim fosse viveríamos num mundo inerte e caótico.
Relativamente à dimensão do bem e do mal, também para além da perspectiva filosófica, anteriormente apresentada, também se discute uma dimensão psicológica estruturadora nas nossas relações com os outros, estas por sua vez, ajudam-nos a entender mais claramente as concepções do bem e do mal, sendo que estas surgem desde muito cedo no desenvolvimento da criança (por volta dos dois anos).
Nesta dimensão do bem e do mal, é fundamental a ideia de justiça, quando se tratam de princípios como a igualdade, a equidade ou a necessidade. Assim, no nosso quotidiano vivemos rodeados do poder e da importância da ideia de justiça na regulação do comportamento humano. A título de exemplo, uma criança que bate num colega facilmente se ouve dizer, que ela o fez porque o colega lhe bateu primeiro e que a sua vingança é agora justa; ou mesmo de outra que reparte o lanche com o amigo da escola, porque se esqueceu do lanche em casa, logo seria injusto ele comer o lanche todo sozinho.
Para melhor compreendermos a junção do conceito de desenvolvimento sócio-moral, basta reflectirmos que a forma como pensamos e agimos se traduz em pontos de vista diferentes, quando se trata de problemas graves como por exemplo, a questão do aborto e a pena de morte. Estas questões moralmente discutidas subjectivamente, dão lugar a decisões que se reflectem no mundo social e que advêm do mesmo, portanto, o indivíduo constrói a sua moralidade à medida que se vai relacionando com os outros e com o meio.


Perspectivas sobre o Desenvolvimento Moral


O tema da moralidade é explicado através de várias perspectivas, a perspectiva psicanalítica, a teoria da aprendizagem social e a perspectiva cognitivo-desenvolvimentista.
A teoria psicanalítica aborda a moralidade relacionando-a com as emoções e sentimentos morais, vergonha, remorso e culpa.
A criança torna-se moral por razões afectivas, isto passa por um processo de identificação pessoal que se relaciona com quem lhe é mais significativo, tal como os pais, daí que adopte depois os seus valores, condutas e padrões. Aos adoptar este padrões aprende a regular a sua conduta pelo princípio da realidade, uma espécie de superego ou consciência social sempre em conflito com o princípio do prazer, ou as tendências impulsivas do que Freud (1968) chamava de o id. Sendo estes valores parentais adquiridos a criança sente determinadas emoções, como por exemplo a culpa e o medo, quando se afasta desses princípios e comete determinadas transgressões.
Portanto a conduta moral expressa as ligações afectivas de grande significado, especialmente quando se é criança.
A teoria da aprendizagem social relativiza as emoções e as cognições morais no funcionamento moral da pessoa.
Nesta teoria a criança torna-se moral quando cresce e se relaciona com os outros, assim sendo, aprende que há comportamentos tendencialmente aprovados e outros reprovados e punidos. Os aprovados tornam-se mais frequentes, ao passo que os puníveis menos frequentes.
A criança também aprende os comportamentos normativos no seio da sua cultura porque observa em casa, na escola ou na televisão e ainda aprende através de pessoas que constituem modelos significativos para ela, como pais, professores, etc.
Assim, pode dizer-se que se trata de uma aprendizagem indirecta e social, que é fundamentalmente uma aprendizagem por observação e imitação de modelos. (Bandura, 1977)
Já na perspectiva cognitivo-desenvolvimentista, o desenvolvimento moral tem pouco a ver com as emoções sentidas após a prática de uma transgressão, mas sim com as razões cognitivas que estão por detrás das acções ou transgressões.
Assim sendo, a criança torna-se moral através das relações com os adultos e com os seus pares, desta forma constrói noções de bem e de mal, de justo e injusto e de direitos e deveres que se tornam cada vez mais morais, ou seja, vão tomando outra consistência e uma determinada organização quando se trata de um problema moral.
Posto isto, desenvolvendo-se em termos de pensamento moral a pessoa tende a agir como deve ser (acção moral objectiva) e em nome das suas razões morais (acção moral subjectiva; Kohlberg & Candee, 1984).
Deste modo, a promoção do desenvolvimento de uma criança não deve sustentar-se pelo incitamento de culpa e outras emoções morais quando esta se comporta de modo imoral ou pela indução de um vasto leque de comportamentos tipicamente correctos, mas pela possibilidade de esta vivenciar em atmosferas morais. Isto sugere que a criança vivencie em contextos que lhe forneça oportunidades de descentração social, de forma a que esta se coloque no lugar do outro, e assim consiga desenvolver o seu raciocínio moral.
Estas oportunidades são possíveis de promover às crianças, quando existem pessoas incluindo ela mesma, que são encaradas e tratadas com respeito e consideração. (Lourenço, 1995; Power, Higgins, & Kohlberg, 1989)


Desenvolvimento Sócio-Moral segundo Piaget e Freud

Teoria de Piaget


Na teoria Piagetiana, a criança é considerada como um ser activo na construção de princípios morais. Deste modo, Piaget constrói uma teoria acerca da maneira como as crianças desenvolvem e transformam o seu pensamento no decurso do seu desenvolvimento.
Piaget concluiu que, nos primeiros quatro anos de vida as crianças encontram-se num estádio pré-moral. Nesta etapa, a noção de regra ainda é reduzida embora as crianças, por exemplo, em situação de jogo elaborem as suas próprias regras. As concepções acerca do bem e do mal são ainda arbitrárias.
Depois dos quatro, cinco anos as concepções das crianças tornam-se mais constantes. Este estádio Piaget, dá o nome de realismo moral – esta designação deve-se ao facto que os juízos tendem a basear-se nos danos reais causados ou objectivos. Nesta fase a criança considera as regras como absolutas e irrevogáveis pela autoridade indiscutível dos pais, Deus, polícia entre outras. Neste sentido, o conceito de bem e de mal são assim estabelecidos para quaisquer regras existentes.
Já por volta dos nove, dez anos o absolutismo vivenciado no estádio anterior, dá lugar a uma certa relatividade na medida em que este estádio se caracteriza, pelo facto da criança se tornar mais capaz e alcançar o subjectivismo moral. Assim, as crianças encaram as regras como uma espécie de acordos, podem ser postas em causa e até mesmo modificadas. Por isso, também já não existe a ideia fundamentada no estádio inicial de que seguidamente às más acções, deve haver obrigatoriamente uma punição. Esta punição é vista como uma hipotética consequência à qual se pode escapar ao não ser-se apanhado.
Portanto, tal como podemos constatar, nos três estádios anteriores, é demonstrada a evolução da compreensão moral da criança, desde a fase mais tenra à mais madura, ou seja, desde o estádio onde existe pouca consideração pelos princípios ligados a aspectos da vida social, ao estádio onde as ideias surgem mais desenvolvidas e são levadas em conta pela criança como normas a seguir para a interacção social.
Esta sequência através de estádios e a forma como estes evoluem, deve-se segundo Piaget, a dois factores: às capacidades cognitivas e à experiência social. As capacidades cognitivas referem-se ao egocentrismo, que caracteriza o pensamento da criança e que a impossibilita de tomar em linha de conta as intenções de outrem. Apenas quando a criança for capaz de distinguir várias perspectivas, e que estas podem predominar umas em detrimento de outras, é que entenderá que pessoas diferentes podem estabelecer regras diferentes.
No que diz respeito à experiência social, Piaget procurou reconhecer o papel das influências interpessoais no desenvolvimento da criança, insistindo que a interacção com os pares ao invés dos adultos, dá às crianças a oportunidade de passarem do realismo moral para o subjectivismo moral. Desta forma, o conflito interpessoal despoleta o conflito cognitivo que segundo Piaget, é o caminho para todo o progresso de desenvolvimento. As crianças precisam de resolver na sua mente as disparidades que existem entre as suas concepções e as dos outros, e conseguem fazê-lo quando aceitam regras que dependem do consenso de ambas as partes envolvidas. É assim, que as crianças evoluem de uma concepção mais absoluta da realidade para uma mais relativa e flexível.
Contudo, relativamente à sua teoria acerca do desenvolvimento moral, Piaget foi bastante criticado pois apesar de ter dado um papel construtivo à criança, a metodologia que utilizou nas suas investigações revelou-se pouco precisa em relação à teoria fundamentada. Da mesma forma, foi criticada a sua divisão por estádios demonstrando-se limitativos, por encontrarem-se divididos por faixas etárias, uma vez que, as crianças muitas vezes revelam raciocínios mais avançados em idades mais precoces do que as propostas por Piaget. A sofisticação do seu esquema por estádios também foi posta em causa, por apenas existir uma transição do realismo para o subjectivismo, que aponta o desenvolvimento moral como sendo uma etapa que atinge a sua maturidade na média infância, sem existir mais progressos posteriormente.


Teoria de Freud

Segundo Freud, o ser humano quando nasce e nos seus primeiros anos de vida é um ser amoral. Inicialmente, só existe ele próprio como instância pulsional completamente inconsciente e que se rege princípio do prazer, desconhecendo qualquer tipo de critério moral. Desta forma, numa primeira fase, a criança rege-se unicamente pelos seus impulsos que procura satisfazer espontaneamente, sem que sinta o constrangimento de uma regra moral, externa ou interna, sobre o que está bem ou o que está mal, o que deve e o que não deve fazer. No entanto, esta fase não se estende por muito tempo, pois a criança pouco a pouco começa por confrontar-se com uma realidade resistente, que não permite a satisfação espontânea dos seus desejos. E assim, numa segunda fase ainda durante os primeiros anos de vida, onde ocorrem a fase oral e anal do desenvolvimento se irá formar o próprio ego, e com ele irá surgir os primeiros germens de uma moralidade. O ego espera adaptar-se ao ambiente regendo-se pelo princípio da realidade, o que vai fazer com que a criança se submeta à pressão moral do meio familiar e social. Com o desenvolvimento ego, a criança começa a tomar noção do bem e do mal, da aprovação e da reprovação daqueles que ama, teme e necessita está na sua origem.
O bem é o que agrada aos pais, fazendo com que a criança seja retribuída com protecção e amor. O mal por sua vez, é causador de dor e determina o abandono. Quando não se porta bem, a criança sente medo e desprovida do amor familiar, a maior das suas privações. Surgem assim, os primeiros sentimentos de culpa, que nesta fase passam pelo medo de perder do amor, o que se traduz numa angústia social. Todavia, apesar dos germens da consciência moral estarem presentes, ainda não se pode afirmar que a consciência moral está constituída. A moral apresenta-se de uma forma heteronoma, ou seja, é constituída por um conjunto de normas extrínsecas à criança. Assim sendo, vai pressionar a conduta espontânea da criança, que a partir de agora começará e ter em conta certas normas.
Numa terceira fase, com a formação do superego como resultado da resolução do complexo de Édipo, dá-se um passo decisivo na génese da consciência moral. Depois da formação do ego, na fase fálica a criança vê-se submersa no complexo de Édipo, experimentando impulsos sexuais, direccionados ao progenitor do sexo oposto e impulsos agressivos direccionados ao progenitor do mesmo sexo. O que factor que despoleta a resolução do complexo de Édipo, é diferente nos dois sexos. No menino, persiste a angústia da castração por parte do pai, como castigo aos seus impulsos sexuais em relação à mãe. Na menina, persiste o medo pela perda do amor da mãe, por causa dos seus desejos em relação ao pai. Em qualquer caso, e em ambos os sexos, se renuncia à satisfação dos desejos provocados por este complexo, marcados por uma proibição que define uma identificação com o progenitor do próprio sexo, interiorizando-se normas e proibições. Esta interiorização dá lugar ao superego, nesta instância as normas e restrições que anteriormente eram impostas pelos pais, e que constrangiam a conduta da criança extrinsecamente estão agora interiorizadas e começam a actuar intrinsecamente.
Nesta etapa, segundo Freud estará alcançada a autêntica consciência moral da criança, regida não só pelas acções, mas também pelos pensamentos e tendências. A criança começa a sentir-se responsável perante esta consciência moral. A aprovação e a rejeição por parte dos pais, foi substituída pela aprovação e desaprovação da própria consciência moral. O sentimento de culpa vai assumir a partir de agora um duplo significado: por um lado, a angústia perante a autoridade externa e, por outro a severa angústia perante a vigilância do próprio superego.
Mas o superego é o herdeiro dos pais não só como fonte de ameaças e castigos, de sentimentos de culpa, mas também como fonte de protecção e amor securizante. Assim, quando a criança se comporta segundo os impulsos do superego sente uma tranquilidade de espírito e ao mesmo tempo é este quem lhe fornece amor. O superego com as suas exigências não só procura alívio, mas também sensações de prazer e segurança semelhantes aos que a criança encontra no amor. O amor assegura a continuidade da repressão, ao proporcionar o benefício secundário do restabelecimento da auto-estima perdida, dotada de uma certa satisfação narcísica. Como se pode apreciar esta consciência moral, apesar de aparentemente actuar de «dentro», continuando a ser uma moral claramente heteronama.
Com a resolução do complexo de Édipo há uma formação do superego, iniciando-se o período de latência sexual, onde a moral é internalizada. Segundo Freud, a partir deste momento, não se verificam alterações significativas no desenvolvimento moral. À medida que o desenvolvimento prossegue o superego, vai-se afastando da sua raiz original parental, tornando-se cada vez mais impessoal, ao inserirem-se também outras figuras do ambiente social e cultural. No entanto, continuará a manter as suas origens e permanecerá ancorado ao seu funcionamento infantil.
Freud reconhece que mediante esta linha de evolução, ou melhor dizendo, a não-evolução, existe outra possibilidade: a autêntica maturação da consciência moral. Esta exige a liquidação total do complexo parental, com a plena dissolução das suas raízes inconscientes e o domínio da situação afectiva correspondente. O indivíduo alcança então a sua total liberdade e autonomia, pois já não necessita de nenhuma representação parental para desenvolver-se com segurança na vida e prescinde destas como provedoras de afecto, como tais representações deixam de ser elemento determinante na sua vida moral. Só assim, pode falar-se de uma autêntica consciência moral autónoma. Contudo, Freud mostra-se pessimista no que diz respeito a esta linha de evolução considerando que dificilmente se torne realidade a não ser que medeie através da ajuda da psicanálise. Para Freud, o funcionamento moral normal na maioria das pessoas contem grandes doses de infantilidade, imaturidade e irracionalidade.



Cátia Mourato e Filipa Pedro

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