sexta-feira, 25 de junho de 2010

A agressividade Infantil

Aquilo que mais ressaltou à minha vista, quando passei a semana de investigação no Centro Acolhimento Temporário “Sol dos Meninos” foi, sem dúvida, a agressividade das crianças, nas relações que estabelecem entre si. Deixou-me, ainda, mais estupefacta, o facto de esta agressividade se estender a todos os objectos, inclusive brinquedos com que, diariamente, as crianças brincam.
À partida, pensava que as crianças teriam muito apresso aos brinquedos, pois não teriam muitos e dada a sua situação familiar anterior, onde não tinham brinquedos, possivelmente, pensei que aqueles brinquedos para eles seriam como um tesouro, ideia essa, que, rapidamente, desconstruí.
Este comportamento poderá, eventualmente, ser uma defesa das crianças, tendo em conta que, são tão pequenas em maturidade e já passaram por situações tão difíceis. Segundo Brazelton e Sparrow (2006), “(…) os sentimentos agressivos são um sinal interno que alerta para uma ameaça, real ou imaginária, interna ou externa” (p.17), o que coincide com a situação de vida das crianças institucionalizadas.
Estes comportamentos de indisciplina surgem, em diversos momentos da rotina diária, seja no período de almoço, seja nos tempos de brincadeiras livres, ou seja, é muito frequente este tipo de situações no “Sol dos Meninos”. É importante salientar, que existem crianças que, ainda não têm dois anos, e já têm este tipo de comportamentos.
A título de exemplo, existe uma criança que, sempre que lhe é dirigida a palavra “não”, ela, rapidamente, descalça os sapatos, atirando-os pelo ar, desaperta o casaco, tirando-o e, já cheguei a assistir a tirar as calças. De momento, todas as crianças, mais pequenas, têm este tipo de comportamento. Segundo as monitoras, a primeira criança a ter este tipo de comportamento foi o G e, não a criança em questão, porém o G, já não tem este tipo de comportamento, a não ser que tenha visto esta criança fazer, recentemente.
É crucial salientar, que a disputa pelos brinquedos, entre crianças com esta faixa etária, é habitual, e não é só no “Sol dos Meninos”, apesar de ser de forma mais intensa nesta instituição.
Frequentemente, observo que, quando querem um brinquedo, que outra tem (é de referir que existem muitos brinquedos), não se contentam em se chegar à outra e tentar tirar-lho, isto é, aproximam-se, de imediato, com a mão levantada para bater no outro ou com um outro brinquedo para lhe atirar.
Estas situações decorrem por mínimas coisas, por exemplo, certo dia estava a fazer os trabalhos de casa com duas crianças, uma delas usou a borracha do outro, enervado com a situação, “o dono” da borracha agarrou o outro e começou a bater-lhe, simplesmente porque a criança estava a usar a sua borracha, ora este tipo de situações não é comum entre as crianças, daí que no meu entender, as crianças estão repletas de raiva e demonstram uma grande intolerância à frustração, possivelmente, devido às suas histórias de vida. É importante que todas as crianças aprendam a lidar com a frustração, contudo este processo não é simples, e não é simples num seio familiar estável, quanto mais para crianças, cujo núcleo familiar é inexistente, de momento.
Neste sentido, torna-se fulcral que, os educadores que desempenham as suas funções nestes contextos educativos tenham consciência que, “(…) aprender a lidar com sentimentos de agressividade, a canalizar impulsos agressivos para acções construtivas, é um desafio para toda a vida.” (Brazelton & Sparrow, 2006, p.15), devendo, por isso, ser capazes de arranjar estratégias, tentando colmatar assim as lacunas existentes a este nível. Contudo, é importante relembrar que “(…) a irritação é não apenas inevitável, como até necessária (…)” (idem), cabendo aos seres humanos a capacidade de equilibrar.
Na minha perspectiva, as crianças do centro de acolhimento, têm este comportamento agressivo, não por quererem ser agressivas, mas sim, porque “(…) apesar de a palavra «agressividade» se referir frequentemente a brigas ou a outros actos físicos que magoam, ela pode também significar simplesmente a afirmação do eu (…)” (Brazelton & Sparrow, 2006,p.17).
Em suma, é importante destacar que Javier Urra (2007) apresenta um conjunto de estratégias úteis aos educadores, nomeadamente:
“(…)
1. Deve ajudar-se a criança a ter consciência das circunstâncias em que se aborrece. Inculcar-lhe a ideia de que as pessoas não podem conseguir sempre e no momento esperado o que desejam. Umas vezes, seremos obrigados a esperar um certo tempo e, noutras, deveremos admitir de bom grado que não conseguimos os nossos objectivos. Parte deste treino consiste em aceitar que umas vezes se ganha e outras se perde e que tão difícil é saber ganhar como reconhecer a derrota.
2. Exercitá-la para que, no momento em que note que o sentimento de ira aumenta, pare para pensar sem agir impulsivamente. Deve-se sugerir-lhe que espere um pouco antes de reagir, até que, pouco a pouco, cesse esse sentimento de ofuscação.
Nesta paragem de pensamento contamos com determinadas estratégias: pensar antes de agir, contar até dez e pensar numa piada ou numa anedota divertida. Dizer-lho com afirmações positivas para que pratique com as mesmas frases primeiro e para que depois as interiorize como auto-instruções.
3. Uma vez acalmada e apaziguada a raiva, a fúria ou a irritação, dever-se-á analisar o mais objectivamente possível a situação: se é tão grave ou não, se vale a pena irritar-se, se tem solução, se há outras alternativas viáveis e, consequentemente, gerar outras possíveis respostas de actuação.
4. Devem-se referir as consequências dessas possíveis manifestações.
5. Deve-se ajudá-la a escolher a alternativa mais acertada em função das possíveis consequências.
6. O último passo deste treino é fazê-la pôr em prática esta actuação meditada e controlada, com o objectivo de que não se exceda e não cometa nenhuma necedade, estupidez ou torpeza”
(p.125).


Referências bibliográficas:


 BERTÃO, A. (2004) – Violência, agressividade e indisciplina em meio escolar: perdidos em busca do amor. Psycologica, Nº36. Pp:149-162.
 BRAZELTON, T. Berry; SPARROW, Joshua D. (2006) – Compreender a agressividade na criança. 1ª edição. Lisboa: Editorial Presença.
 GOMES-PEDRO, João (2005) – Para um Sentido de Coerência nas Crianças. Mem Martins: Publicações Europa-América.
 SÁ, Eduardo (coord.) (2008) – Abandono e adopção. 3ª edição. Coimbra: Almedina.
 URRA, Javier (2007) – O pequeno ditador. 1ª edição. Lisboa: A Esfera dos Livros.

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